quinta-feira, 23 de julho de 2015

Projeto de Pesquisa - DEMOCRACIA ELETRÔNICA PARA QUEM? QUEM SÃO, O QUE QUEREM E COMO OS CIDADÃOS AVALIAM OS DADOS GOVERNAMENTAIS ABERTOS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS


CÂMARA DOS DEPUTADOS
Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento
Programa de Pós-Graduação









GUSTAVO WARZOCHA FERNANDES CRUVINEL











DEMOCRACIA ELETRÔNICA PARA QUEM?
Quem são, o que querem e como os cidadãos avaliam os dados governamentais abertos da Câmara dos Deputados




Orientador: Dr. Cristiano Ferri Soares de Faria.













BRASÍLIA
2015



Apresentação

Este trabalho pretende fazer uma discussão sobre o perfil dos usuários que acessam os dados governamentais abertos (DGA) da seção de Dados Abertos da Câmara dos Deputados e quais os potenciais desse uso nos conceitos de transparência pública, participação e controle social.
O conceito de transparência pública ganhou a atenção e tem sido amplamente discutido e implementado por governos no mundo inteiro. Estudiosos do assunto, entre eles Freire (2014) e Angélico (2012), entendem que a transparência não é um fim em si, mas um meio para se alcançar outros objetivos democráticos como accountability e controle social.
Segundo Freire (2014), existe uma tendência mundial em tratar a transparência pública como um elemento essencial para o fortalecimento da democracia. Com isso, governos têm investido cada vez mais recursos em tecnologia da informação e comunicação com diversos fins, entre eles, podemos citar o fomento a transparência pública, a participação política e controle social.
Associado a transparência existe o conceito de dados governamentais abertos (DGA). Espera-se que a aplicação desse conceito possa potencializar a transparência pública uma vez que possibilita aos próprios cidadãos desenvolver ferramentas inteligentes para um controle social mais efetivo sobre os gastos e atuação parlamentar. Conforme explicado em Vaz (2010), em 2007 um grupo de especialistas desenvolveu 8 princípios que devem ser seguidos pelos DGA. Estes princípios estabelecem que os DGA devem ser (OPENDATAGOV, 2007, tradução nossa):

1-        Completos: todos os dados devem estar disponíveis;
2-        Primários: dados devem ser coletados da fonte, com um mínimo de modificações;
3-        Atuais: dados devem ser disponibilizados tão rápido quanto o necessário para preservar o seu valor;
4-        Acessíveis: dados devem ser disponibilizados para a maior quantidade possível de usuários e a maior quantidade de propósitos;
5-        Processáveis por máquinas: dados devem ser razoavelmente estruturados para permitir processamento automático;
6-        Não discriminatórios: dados devem estar disponíveis para todos sem necessidade de registro;
7-        Não proprietários: dados devem estar disponíveis em um formato em que nenhuma entidade tenha controle exclusivo;
8-        Livre de licenças: dados não podem estar sujeitos a nenhum tipo de direito autoral, patentes, propriedade intelectual ou segredo industrial. Restrições razoáveis relacionadas a privacidade, segurança e privilégios de acesso são permitidas.

Nesse contexto, este trabalho tem como objeto de estudo a seção de Dados Abertos do Portal da Câmara dos Deputados. Mas qual o objetivo desses dados? Segundo informações disponibilizadas no próprio portal:

O projeto Dados Abertos tem como objetivo disponibilizar dados brutos em formato aberto para utilização em aplicações digitais. Isto significa que cidadãos e entidades da sociedade civil poderão acessar os dados públicos da Câmara e, com eles, desenvolver ferramentas inteligentes que permitam desde a percepção mais efetiva da atuação parlamentar e os gastos detalhados da Casa, até o resultado das votações do dia, de forma simples e automática pela Internet. (CÂMARA, 2015).

Entretanto, apesar de existir a seção de dados abertos, ela está cumprindo os objetivos para os quais foi criada? Ela está potencializando de alguma maneira os conceitos de transparência pública? Os usuários conseguem encontrar os dados com facilidade, entendê-los e fazer uso apropriados deles? As ideias presentes nessas perguntas originaram a questão de pesquisa desse trabalho: a seção de Dados Abertos do Portal da Câmara dos Deputados contribui em que medida para o aumento da transparência pública?

1 Objeto

O objeto de estudo será a Seção de Dados Abertos do Portal Transparência da Câmara dos Deputados.

1.1 Tema

Dados governamentais abertos.



1.2 Delimitação do tema

Como os dados governamentais abertos da Câmara dos Deputados têm sido utilizados para potencializar a transparência pública.

2 Objetivos

2.1 Objetivo geral

Avaliar a transparência pública da Câmara dos Deputados a partir da interpretação da demanda por dados governamentais abertos.

2.2 Objetivos específicos

·      Discutir o conceito de DGA;
·      Analisar o conteúdo dos DGA disponibilizados pela Câmara;
·      Identificar quem usa DGA da Câmara dos Deputados;
·      Descobrir para que os DGA da Câmara são usados;
·      Identificar os impactos dos DGA sobre os conceitos e práticas de transparência, controle social e participação cidadã.

3 Justificativa

Conforme relatado por Freire (2014), existem poucos estudos no campo da Ciência Política que analisam o perfil de usuários e qual avaliação estes fazem de portais governamentais de grande acesso. No referido trabalho o autor vai além da análise dos portais e do uso das tecnologias da informação e comunicação (TICs) verificando também as relações entre transparência púbica, participação e controle social¹.
No âmbito do legislativo federal, um dos trabalhos mais recentes foi o realizado por STABILE (2012) que faz uma análise geral do conteúdo e das formas de interação ofertadas pelo portal da Câmara dos Deputados. Além disso, o trabalho também analisa o perfil dos usuários e qual avaliação estes fazem da ferramenta. Entre os principais achados o autor ressalta a falta de interatividade e a necessidade de uma mudança para um paradigma colaborativo. Esse paradigma deveria incluir o cidadão no processo de constituição do portal. Dessa maneira, cada cidadão poderia “criar” e organizar seu próprio portal de acordo com suas preferências².
No trabalho de BRAGA (2007), o autor realiza uma ampla definição de indicadores para avaliar os portais brasileiros e da América do Sul em relação a transparência. Para isso o autor estabelece sete dimensões que devem ser analisadas: disponibilização de informações básicas ao público mais amplo, estrutura do processo decisório, recrutamento dos agentes encarregados de participar do processo decisório, processo decisório, modalidades de interação vertical, informações básicas sobre a estrutura administrativa da casa e interação ou comunicação horizontal. Cada dimensão possui um conjunto de variáveis que indicam o grau de conformidade dos portais em relação a ela.
Nesse trabalho, pretendemos verificar qual o grau de utilização dos DGA por parte do governo, do setor empresarial, da sociedade civil e da comunidade acadêmica para o estabelecimento de uma governança multiparticipativa, transparente, colaborativa e democrática (BRASIL, 2014). Esperamos que seus achados possam contribuir para a reestruturação e aprimoramento do fornecimento de dados governamentais abertos pela Câmara dos Deputados e a melhoria do controle social sobre a instituição e seus integrantes.

4 Metodologia

A metodologia será uma adaptação da utilizada em Freire (2014) com objeto e objetivos diferentes. Ela será composta por pesquisa bibliográfica sobre os conceitos de DGA, transparência pública, controle social e participação cidadã. Nessa pesquisa também será realizado um levantamento das boas práticas que devem ser utilizadas na disponibilização de DGA.
Após a pesquisa utilizaremos cinco procedimentos metodológicos complementares entre si:
·      Estudo do conteúdo disponibilizado na seção de Dados Abertos do Portal da Câmara dos Deputados;
·      Avaliação da abrangência dos dados disponibilizados;
·     Estudo das estatísticas de acesso a essa seção;
_____________________________
¹ Os resultados desse trabalho foram utilizados na reestruturação do Portal Transparência do Governo Federal.
² Muitas dessas ideias foram incorporadas ao portal Participa.br (PARTICIPA, 2015) desenvolvido pelo governo federal.
Estudo das estatísticas de acesso a essa seção;
·      Pesquisa online com os usuários da seção;
·      Análise quantitativa dos resultados.

            A relação entre os procedimentos metodológicos está descrita na figura 1 e será detalhada nas próximas seções.



Figura 1 – Relação entre os procedimentos metodológicos
Fonte: Adaptado de (Schuman & Kalton, 1985, p.641), citado por GUNTHER (2003).

4.1 Estudo do conteúdo disponibilizado na seção de Dados Abertos do Portal da Câmara dos Deputados

Nessa seção iremos analisar o conteúdo ofertado pela Câmara em formato de dados abertos. Será verificado se a forma de disponibilização segue os oito princípios de dados abertos estabelecidos pelo OPENDATAGOV (2007) e outras práticas que forem encontradas durante a pesquisa bibliográfica. Além disso, analisaremos o conteúdo para verificar quais temas estão disponibilizados. Em análise preliminar identificamos os seguintes temas: dados pessoais de deputados, atuação parlamentar, gastos com cota parlamentar e informações sobre proposições legislativas. Os resultados dessa análise serão utilizados na formulação do questionário de pesquisa online.

4.2 AVALIAÇÃO DA ABRANGÊNCIA DOS DADOS DISPONIBILIZADOS

Nessa etapa faremos um levantamento panorâmico sobre os temas que poderiam ser disponibilizados, mas ainda não foram. Para essa tarefa faremos a análise dos registros de solicitação de informações vinculados a Lei de Acesso a Informação (LAI, 2014) aos serviços da esfera institucional-burocrática, como o serviço telefônico gratuito (0800) e o e-mail institucional (Fale Conosco) (BARROS et al, 2012).  Além disso, utilizaremos entrevistas “em profundidade” semiestruturadas (OLIVEIRA, 2012) com gestores do Centro de Documentação e Informação (CEDI) da Câmara dos Deputados. As entrevistas terão finalidade de explorar os pontos de vista e experiências dos gestores no trato com as informações da Câmara e na disponibilização de DGA para a sociedade. O resultado dessa fase será utilizado na formulação do questionário com objetivo de verificar qual o grau de interesse dos usuários de dados abertos nos temas identificados.

4.3 Estudo das estatísticas de acesso a seção de dados abertos

Nesse procedimento utilizaremos a ferramenta Google Analytics para saber quantas pessoas acessam, de onde vêm e o que visualizam na seção de dados abertos. O objetivo é identificar os temas mais acessados e ter referências para identificar possíveis tipos de usuários dependendo da origem do acesso. Essas informações serão utilizadas em conjunto com a análise anterior para formulação do questionário de pesquisa online.

4.4 Pesquisa online com os usuários

Esta etapa consistirá da elaboração e posterior aplicação de um questionário com os usuários de dados abertos da Câmara.
O questionário será formulado com base no conhecimento adquirido nos estudos das seções anteriores.
Para realizar a pesquisa utilizaremos o mesmo software utilizado por FREIRE (2014). O LimeSurvey é um software específico para pesquisa, foi desenvolvido em PHP e utiliza banco de dados MySql. Entre outras funcionalidades a ferramenta permite a realização de websurveys com número ilimitado de questões e participantes, questões condicionadas a respostas anteriores e envio de convites por e-mail (LIMESURVEY, 2015).

4.5 ANÁLISE QUANTITATIVA DOS RESULTADOS

            A metodologia para análise quantitativa será desenvolvida ao longo de todo o projeto e dependerá das variáveis que forem sendo consideradas importantes para responder o problema de pesquisa colocado. Essas variáveis estarão presentes no questionário.
            Como plano preliminar, realizaremos uma análise estatística básica. Pretendemos segmentar os usuários de DGA nos seguintes tipos: governo, setor empresarial, sociedade civil e comunidade acadêmica. Iremos verificar quais os temas de maior interesse para cada um desses tipos. Tentaremos também mostrar com quais finalidades os DGA são utilizados, inicialmente propondo as seguintes variáveis: trabalho, comercial, cidadania e pesquisa.
            Por fim, através das variáveis qualitativas estabelecidas durante a pesquisa, verificaremos qual a avaliação dos usuários em relação a seção de dados abertos da Câmara dos Deputados.

5 Cronograma

O cronograma deverá seguir as etapas e prazos listados na Figura 2.


Figura 2 – Cronograma do projeto de pesquisa.
Fonte: Projeto de pesquisa.

Referências

ANGÉLICO, Fabiano. Lei de Acesso à Informação Pública e seus possíveis desdobramentos à accountability democrática no Brasil. 2012. 133f. Dissertação (Mestrado) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2012.

BARROS A, BERNARDES C, RODRIGUES M. Comunicação pública, participação social e representação política: a experiência recente da Câmara dos Deputados. 2012. In: IV Encontro Nacional da Ulepicc-Brasil, Rio de Janeiro, 2012.

BRAGA, Sérgio. O papel das TICS na institucionalização das democracias. Um estudo sobre a institucionalização dos órgãos legislativos na América do Sul com destaque para o Brasil. 2007. 101f. Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados, Brasília, 2007.

BRASIL. Marco Civil da Internet. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm. Acesso em: 09/06/2015.

CÂMARA. Dados Abertos. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/transparencia/dados-abertos/perguntas-e-respostas. Acesso em: 26 mai. 2015.

FREIRE, Felipe Ribeiro. Desafios para a Transparência Pública. Um estudo com os usuários do Portal da Transparência do Governo Federal. 2014. 284f. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Ciência Política, Universidade de Brasília, Brasília, 2014.

GUNTHER, Hartmut. Como elaborar um questionário. Série: Planejamento de Pesquisa nas Ciências Sociais, 2003, Nº 1. Laboratório de Psicologia Ambiental. Instituto de Psicologia. Universidade de Brasília.

LAI. Lei de Acesso à Informação. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm. Acesso em: 09/06/2015.
LIMESURVEY. Funcionalidades da ferramenta. Disponível em: https://www.limesurvey.org/en/?jumpto=features. Acesso em 10/06/2015.

OLIVEIRA, Verônica Macário de et al. Entrevistas “em profundidade” na pesquisa qualitativa em administração: Pistas teóricas e metodológicas. 2012. In: Anais SIMPOI.

OPENDATAGOV. The 8 principles of Open Government Data. Disponível em: http://opengovdata.org/. Acesso em: 26 mai. 2015.

SILVA, Daniela Bezerra da. Transparência da esfera pública interconectada. 2010. 114f. Dissertação (Mestrado) – Coordenadoria de Pesquisa e Pós-Graduação, Faculdade Cásper Líbero, São Paulo, 2010.

STABILE, Max. Democracia Eletrônica para quem? Quem são, o que querem e como os cidadãos avaliam o Portal da Câmara dos Deputados. 2012. 184f. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Ciência Política, Universidade de Brasília, Brasília, 2012.

VAZ, José Carlos et al. Dados governamentais abertos e seus impactos sobre os conceitos e práticas de transparência no Brasil. Cadernos PPG-AU/UFBA, v. 9, edição especial (2010) – Democracia e Interfaces Digitais para a Participação Pública, p. 45-62, 2010.

quinta-feira, 11 de junho de 2015

As influências da Internet nas fronteiras do campo político e da mídia: Uma análise com enfoque no papel mediador de parlamentares e mídia

As influências da Internet nas fronteiras do campo político e da mídia: Uma análise com enfoque no papel mediador de parlamentares e mídia

Autor: Gustavo Warzocha Fernandes Cruvinel

1-INTRODUÇÃO
            A Internet aumentou a capacidade de comunicação e disseminação de informações da sociedade. Desde o seu surgimento ela vem sendo utilizada por políticos, partidos e instituições na tentativa de aumentar a interação com os cidadãos.
            Os estudos sobre política e internet são complexos e multifacetados, mas apontam para duas direções básicas.
 A primeira explora os potenciais da internet, em uma perspectiva otimista, com as possibilidades de interação, participação, transparência e maior aproximação entre representantes e representados. Conforme analisado em SIMÕES (2009), Manuel Castells e Pierre Lévy são autores que seguem essa visão.
A segunda, por sua vez, ancorada em estudos empíricos, apresenta diagnósticos pessimistas, ao concluir que as ferramentas digitais são pouco ou subutilizadas pelos atores políticos e pelos cidadãos. Nessa linha, diversos estudos, entre eles o de NORRIS (2003), mostram que o potencial da Internet para o aumento da interatividade entre instituições políticas e cidadãos tem sido subutilizado. Websites de partidos e políticos são utilizados na maioria das vezes para prover informações de maneira unidirecional assim como o fazem o rádio e a televisão.
            O surgimento das redes sociais digitais (RSDs), como exemplo temos o Twitter e Facebook, aumentaram ainda mais o potencial da Internet para interação. Da mesma forma que nos estudos sobre Internet, o surgimento dessas redes reforçou o otimismo para alguns autores que seguiam essa linha, mas os estudos empíricos reforçaram que as instituições políticas subutilizam o potencial de interação dessas redes e as usam predominantemente para disseminação de informações.
            O objetivo desse trabalho é analisar as influências da Internet no jogo político e no comportamento de seus agentes. Essa análise irá desconsiderar o momento eleitoral e as manifestações populares. Utilizaremos o conceito de campo, conforme definido por Pierre Bordieu e analisaremos os potencias da internet para influenciar as fronteiras dos campos da política e da mídia. O objetivo é mostrar que a Internet atua de forma periférica alterando o comportamento de parlamentares e mídia em seus respectivos campos, mas não adquirindo ainda centralidade na tomada de decisão nem tampouco na formação do capital político. O trabalho foi dividido em seis seções, seguidas de uma conclusão, sendo a primeira esta introdução.
            Na seção 2 apresentaremos as relações das mídias tradicionais e as possibilidades trazidas pela internet. Na seção 3 mostraremos a relação entre campo político e campo da mídia. Na seção 4 mostraremos como os parlamentares tem usado a internet para ganhar visibilidade e se esse uso tem alterado efetivamente as fronteiros dos campos político e da mídia. Iremos analisar especificamente a atuação parlamentar na rede social Twitter. Na seção 5 iremos descrever algumas tentativas de institucionalização das atividades políticas através da Internet.
2-MÍDIA E INTERNET
            A evolução tecnológica da mídia ao longo do século XX modificou todo ambiente político. O surgimento do rádio e posteriormente a televisão modificou o contato entre líderes políticos e sua base, a relação dos cidadãos com as questões públicas e até mesmo o processo de governo (MIGUEL, 2002).
            A mídia é um fator central da vida política contemporânea (MIGUEL, 2002). Isso ocorre porque os representantes políticos necessitam da mídia para se comunicar com suas bases e também porque esta tem um papel fundamental na formação da imagem dos representantes.
            A lógica de funcionamento do rádio, televisão e imprensa escrita, o que chamaremos aqui de mídia convencional, provê um grande poder a esses meios na divulgação de informações e consequente mediação política. De um lado, os representantes políticos precisam se fazer notáveis para ganhar espaço nessas mídias. De outro, os cidadãos são receptores de informações, já filtradas e com determinado enfoque, sem muitas possibilidades de intervenção no modo de produção informativa.
            O surgimento da internet e das RSDs colocou novas possibilidades nesse jogo. Esses novos meios permitem que todos os agentes sejam produtores potenciais de informações. Além disso, permitem uma interação direta entre representantes e cidadãos. Considerando que os meios de comunicação são uma esfera da representação política e que as mídias convencionais reproduzem mal a diversidade social (MIGUEL, 2002), as possibilidades trazidas pela internet, em um primeiro momento, parecem contribuir para uma maior diversidade na difusão das visões de mundo. Além disso, potencialmente, podem fornecer oportunidades para uma maior participação e influência da sociedade nas decisões políticas.
            Conforme relatado por RODRIGUES (2010), sobre uma pesquisa feita por Figueiredo e Limongi, em 1996, apenas 18% dos deputados federais afirmavam que a sociedade civil tinha muita influência. Já no que se refere a imprensa, 82% afirmavam que esta possuía muita influência. Será que nos dias atuais, com o advento da Internet, essa percepção mudou? Acreditamos que a imprensa ainda exerça forte influência, mas esperamos que os percentuais em relação às influências da sociedade civil tenham subido.
3-CAMPO POLÍTICO e CAMPO DA MÍDIA
             O conceito de campo permite entender a interação entre mídia e política, duas esferas que se guiam por lógicas diferentes, mas que interferem uma na outra. O campo político é, segundo a definição de Bourdieu, “o lugar em que se geram, na concorrência entre os agentes que nele se acham envolvidos, produtos políticos, problemas, programas, análises, comentários, conceitos, acontecimentos, entre os quais os cidadãos comuns, reduzidos ao estatuto de ‘consumidores’, devem escolher”. Todo campo se define pela imposição de critérios próprios de avaliação da realidade, em especial pela fixação de objetivos que se apresentam como “naturais” para aqueles que deles participam — neste caso, a busca do poder político (MIGUEL, 2002).
           
            O campo da mídia e o campo da política tem sua própria lógica de funcionamento, mas são interdependentes entre si e, pode-se dizer que funcionam de maneira simbiótica. A visibilidade no campo da mídia é essencial para formação do capital político e isso gera uma dependência dos atores do campo político em relação a mídia. Da mesma forma os agentes do campo midiático dependem de respaldo dos agentes políticos para que possam se sobressair no seu próprio campo. Além disso, devemos lembrar que os campos da política e da mídia sofrem pressões do mercado, mas que apesar disso conseguem manter sua própria lógica e autonomia em relação a ele (MIGUEL, 2002).
Conforme colocado por MIGUEL (2002), o capital político é uma espécie de capital simbólico, ou seja, depende mais de reconhecimento dos próprios pares e dos eleitores do que de outros fatores como, por exemplo, a quantidade de votos ou o poder econômico¹. Agentes que se posicionam melhor no campo político recebem maior atenção da mídia e conseguem orientar o noticiário e, por consequência, a agenda pública através de entrevistas e declarações. Atores situados na periferia teriam mais dificuldades para inserir um novo item na agenda pública. Dessa forma, percebemos que a mídia acaba refletindo as relações de poder estabelecidas no campo político e seus agentes acabam criando uma relação de dependência com os atores políticos em postos mais altos.
O que tentaremos mostrar na próxima seção é até que ponto a Internet e as RSDs reforçam as oportunidades para uma maior pluralidade de participação no jogo político.

4-AS INFLUÊNCIAS DA INTERNET

            No conceito de democracia de público, estabelecido por Bernard Manin, os partidos perderam centralidade no processo de mediação política e esse espaço foi ocupado pelos meios de comunicação de massa. Como consequência temos o surgimento do eleitor flutuante e um novo fórum que são as mídias. A questão que colocamos aqui é se o surgimento da Internet e das RSDs tem fornecido novos fóruns de participação para esse novo tipo de eleitor.
            Para responder a essa questão iremos verificar a atuação e tendências de comportamento dos parlamentares na rede social Twitter. A escolha dessa rede se deve primeiro ao modo de discurso que ela permite, pois ela é configurada para mensagens (chamadas tweets) rápidas e sucintas (SILVA, 2012). Essa característica foi considerada importante pois é muito similar a fragmentação do discurso ocorrido na televisão e relatada no trecho abaixo.
Já a fragmentação do discurso não é uma imposição técnica da
televisão — nada impede que seja transmitida uma fala ininterrupta de duas ou três horas — mas fruto dos usos que se fizeram dela. O resultado é que a fala padrão de um entrevistado num telejornal, por exemplo, é de poucos segundos e as expectativas dos telespectadores se adaptaram a essa regra.
Os políticos, por consequência, também. Abreviar a fala, reduzi-la a umas poucas palavras, de preferência “de efeito”, tornou-se imperativo para qualquer candidato à notoriedade midiática (MIGUEL, 2002).
            Além disso, a pretensão dessa rede é de chegar em qualquer celular via Internet ou SMS. Isso alivia em grande parte a exclusão digital que ainda temos no Brasil. Outra vantagem é que as mensagens repercutem instantaneamente o que demoraria horas ou dias para aparecer nas mídias convencionais (SILVA, 2012).
Por último, e não menos relevante, temos o fato de essa rede simular melhor as afinidades por tema e não necessariamente entre “amigos”. Um usuário A pode seguir um usuário B, e B não seguir A (SILVA, 2012). Essa lógica parece modelar melhor as relações entre parlamentares e cidadãos do que as lógicas de outras redes sociais como o Facebook, por exemplo.

4.1-O USO DO TWITTER PELOS PARLAMENTARES

            Estudos recentes, como MARQUES (2014) e SILVA (2012), têm analisado o perfil e atuação dos parlamentares brasileiros no Twitter. Nessa seção, utilizaremos os achados do trabalho de SILVA (2012), para mostrar como os parlamentares brasileiros tem incorporado o Twitter em seus processos de comunicação política.
Segundo trecho de David Carr, transcrito por SILVA (2012): “No começo, o Twitter pode ser esmagador, mas pense nisso como um rio de informações que passam correndo e onde se mergulha um copo de vez em quando”. Analisando o trabalho da autora parece ser esse o uso atual que os parlamentares brasileiros fazem da ferramenta.
            Uma das revelações do trabalho, conforme mostrado na figura 1, é que os parlamentares têm usado o Twitter predominantemente para, na ordem de relevância, prestar contas, obter informações e aumentar a visibilidade.

Figura 1 – O que os parlamentares brasileiros buscam no Twitter
Fonte: SILVA (2012)

            Em relação a prestação de contas a autora ressalta que a medida que isso se tornar um padrão entre os parlamentares aqueles que não o fizerem poderão perder capital político. Percebemos aqui que a padronização do uso da Internet e das RSDs em determinadas atividades parlamentares pode exercer influência direta sobre o campo político.
            No que se refere a obtenção de informações, vários deputados revelaram que utilizam ferramentas para esse fim, mas não foi verificado se existe a pretensão de algum deles em monitorar em tempo real o “rio inteiro”, utilizando para isso recursos de big data e análise semântica.
            Em relação a visibilidade, alguns parlamentares informaram usar o Twitter para fazer relacionamentos e manter o eleitor informado pois não possuem esse espaço na mídia convencional. Um desses relatos foi o de Anthony Garotinho (retirado de SILVA (2012)):
Muitos se perguntam onde o Garotinho consegue fazer relacionamentos e manter seu eleitor informado, apesar dos ataques da Globo e, principalmente, dos meios de comunicação que agem hoje como se fossem partidos políticos.
Sr. Presidente, esse trabalho que eu comecei em 2003 faz com que eu tenha hoje, apenas em meu Twitter @blogdoGarotinho, 70 mil seguidores (...) Não tendo a colaboração dos jornais e da TV para divulgar meu trabalho, restam me os Blogs, o site e o Twitter. (Deputado Anthony Garotinho, em 01 de fevereiro de 2011).
            Em relação as influências do campo econômico sobre a mídia e as possiblidades que a Internet oferece para uma maior pluralidade das visões de mundo temos o relato do deputado Nazareno Fonteles (retirado de SILVA (2012)):
Ontem, tive oportunidade de expressar o meu posicionamento. Aproveitei as notas taquigráficas, mesmo sem a minha revisão, e as coloquei no Twitter para que outros retuítassem, como aconteceu com alguns jornalistas, que, de forma mais independente, fizeram isso. Há, de fato, um debate, vamos dizer assim, sobre a divulgação dos fatos pelos grandes meios de comunicação.
Eles não noticiam o lado dos estudantes, apenas o dos empresários e da Prefeitura (...) E finalizo, Sr. Presidente, destacando a importância das redes
sociais - do Twitter, do Facebook - na mão da juventude (...) Hoje mesmo as TVs, segundo informações que pude ver pelo Twitter da minha assessoria, não permitiram que os líderes estudantis fossem entrevistados; só estão ouvindo o outro lado (Deputado Nazareno Fonteles, em 02 de setembro de 2011).

O relato da atuação desses dois parlamentares se propõe apenas a mostrar algumas oportunidades que a inclusão da Internet e das RSDs vêm provendo para a comunicação política de alguns parlamentares. A medida que esses meios forem sendo incorporados à vida diária da população brasileira, potencialmente, todos os eleitos poderão se comunicar com seu eleitorado através dela. Porém, o que vemos atualmente, através dos estudos empíricos realizados, é que a adoção desses meios tem sido lenta e com pouca influência na tomada de decisão política.
Na próxima seção mostraremos algumas tentativas de institucionalizar o uso de ferramentas digitais online no meio político.

5-FERRAMENTAS PARA PARTICIPAÇÃO SÓCIODIGITAL

            Da mesma forma que os parlamentares têm adotado gradualmente o uso da Internet e das RSDs em sua atuação, as instituições públicas também têm acrescentado esse uso às suas atividades para melhorar a interação com a sociedade. Como exemplo, podemos citar o programa E-democracia na Câmara dos Deputados e o programa Interlegis do Senado Federal.
            Conforme descrito por FARIA (2012) o portal E-democracia possui os seguintes objetivos:
            O portal e-Democracia da Câmara dos Deputados é um espaço virtual, interativo, com interface amigável, criado para estimular cidadãos e organizações civis de todo tipo e interesse a contribuírem na formulação de leis federais, assim como para auxiliar os deputados no trabalho de fiscalização e controle. Permite à sociedade brasileira participar do processo legislativo pela internet por meio de: a) compartilhamento de informações, estudos e outros conteúdos, na forma escrita ou audiovisual, que sejam úteis à discussão dos projetos de lei; b) participação do processo deliberativo nos fóruns de discussão; c) organização de redes sociais temáticas para fins legislativos; e d) apresentação de propostas de texto legislativo, construídas de forma colaborativa, a fim de subsidiar o trabalho dos deputados na tomada de decisão (FARIA, 2012).
            O programa Interlegis apresenta em seu portal o seguinte objetivo:
Seu objetivo é fortalecer o Poder Legislativo brasileiro por meio do estímulo à modernização, integração e cooperação das casas legislativas nas esferas federal, estadual e municipal. Para isso, disponibiliza gratuitamente vários produtos e serviços para as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais como cursos à distância, treinamentos presenciais e ferramentas tecnológicas (PORTAL INTERLEGIS, 1997).
            As ferramentas citadas acrescentaram uma porosidade ao estado e fornecem novas oportunidades de participação para a sociedade através de meios digitais. A medida que seu uso for disseminado, tanto na sociedade, como por seus representantes, a tendência e que elas aumentem também a influência na formação do capital político.

6-CONCLUSÃO

            A mídia convencional exerce uma forte influência sobre o campo político e é, da mesma forma, influenciada por ele.
O surgimento da Internet e das RSDs oferece novas oportunidades para que parlamentares possam se comunicar diretamente com seu eleitorado através da prestação de contas, obtenção de informações e aumento de visibilidade. Apesar disso, estudos empíricos realizados no Twitter revelam que a atuação dos parlamentares nessa mídia ainda é bem recente e tem pouca influência no processo de tomada de decisão.
As ferramentas de participação sóciodigital criadas pelo estado tentam aumentar a interação com a sociedade e institucionalizar a participação popular através das novas mídias. Apesar de conseguir inserir uma porosidade nos processos de tomada de decisão, o seu uso ainda não se popularizou na sociedade e nem no meio político.
As hipóteses para o baixo uso dos potencias oferecidos pelas novas mídias são diversas. De um lado temos uma sociedade com alta exclusão digital – pouco mais de 60 por cento da população tem acesso à Internet segundo últimas pesquisas realizadas pelo IBGE – e pouco engajamento em assuntos relacionados a política. De outro lado parece termos uma cultura parlamentar ainda pouco participativa. Talvez por esse motivo, os representantes ainda não se interessem pelo estabelecimento de formas sistemáticas e institucionalizadas para aproveitar a potencial inteligência coletiva que viria dessas novas mídias. Outra possibilidade seria que uma eventual abertura poderia dificultar a mediação e o atendimento de interesses de determinados grupos dominantes.
A análise dessas e de outras possiblidades serão realizadas com mais profundidade em estudos futuros. A importância do fator tecnológico tende a crescer a medida que as novas mídias forem sendo incorporadas, principalmente aos setores mais carentes da sociedade, mas deve sempre ser analisada em conjunto com fatores socais, econômicos e políticos.

REFERÊNCIAS
FARIA, Cristiano Ferri Soares de. O Parlamento aberto na era da internet. Pode o povo colaborar com o Legislativo na elaboração das leis? Brasília. 2012.
NORRIS, P. Preaching to the Converted? Pluralism, Participation and Party WebSites. Party Politics, v. 9, n. 1, 2003, p. 21-45.
MARQUES, Francisco Paulo Jamil Almeida. Parlamentares, representação política e redes sociais digitais: perfis de uso do Twitter na Câmara dos Deputados. In: Opin. Publica vol.20 no.2. Campinas. 2014.
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